Em 2018, centenas de mulheres tomaram as ruas do país contra a candidatura de Jair Bolsonaro à presidência. Representando, segundo um levantamento realizado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 53% dos eleitores do país, pouco mais de 82,3 milhões, as mulheres formam a maioria do eleitorado brasileiro e a maior rejeição e resistência ao governo bolsonarista de extrema-direita que, com uma trajetória permeada de ataques e declarações misóginas, mostrou, desde a sua eleição, que não teria como prioridade políticas de garantia de direitos nem às mulheres, nem ao conjunto dos setores da maioria social minorizada, nem ao povo pobre como um todo.
Tal cenário de retrocesso e ameaça à democracia contribuiu para que houvesse um número maior de candidatas mulheres com perfil de enfrentamento às pautas conservadoras, bem como candidatos negros, indígenas, LGBTQI+ e ambientalistas comprometidos com a luta cotidiana contra todo tipo de violência, preconceito. A mobilização de várias organizações sociais pode ser confirmada nos números do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que registrou o maior número de inscrições de candidatas das três últimas eleições, o crescimento também de candidaturas LGBTQIA+, além do maior número de candidaturas negras em comparação a candidaturas brancas, dado inédito no cenário eleitoral.
Apesar do aumento de candidaturas femininas, a representação ainda é baixa. No Estado do Pará, das trezentos e vinte e três (323) candidaturas para Deputado Federal, cento e vinte e oito (128) foram candidaturas femininas. No entanto, das dezessete (17) vagas, apenas cinco (5) foram ocupadas por mulheres sendo quatro (4) do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e apenas uma do Partido dos Trabalhadores (PT). Destaca-se que, no que se refere a autodeclaração de cor/raça, apenas uma candidata declarou-se preta.
Tais dados, ao evidenciarem a prevalência de candidaturas femininas de direita, suscitam o debate acerca da representatividade do Pará no Congresso. Nesse sentido, busca-se alçar as necessidades das especificidades que marcam o território paraense para, a partir destas dialogar sobre a representatividade feminina eleita no Estado. Assim, destaca-se que o Pará é marcado pelo processo de ocupação da Amazônia com apoio do Estado Nacional e pela instituição de visões etnocêntricas, estigmatizadas e deterministas que negligenciam as diversidades naturais, sociais, econômicas, culturais e políticas do território.
Nesse sentido, elenca-se que, frente a “invenção” da Amazônia pelos de fora e produção de imagens que remontam ao colonizador europeu e suas interpretações de mundo, surge a necessidade de consolidar uma “outra invenção” da Amazônia, que leve em conta a diversidade natural, social e humana da região. Tais abordagens, visões e estigmas precisam ser combatidos através de análises mais cuidadosas e do estabelecimento de uma compreensão de mundo que também parta dos próprios amazônidas e da negação de sua condição de subalternidade, opressão e exploração (GONDIM, 1994; MAÚES, 1999; PORTO-GONÇALVES, 2001, 2017).
Portanto, é diante da necessidade de produção de políticas públicas regionais mais alinhadas aos conteúdos socioespaciais existentes nas cidades amazônicas e seus entornos, assim como, da urgência de dar visibilidade e subsídios às lutas coletivas dos homens/mulheres, grupos e etnias atingidos pelas políticas de Estado e pelas ações desenvolvimentistas em âmbito local e regional que se coloca o debate acerca da representatividade do Pará no Congresso.
Observa-se que as cinco (5) deputadas federais eleitas no Estado pouco materializam a representatividade necessária para o enfrentamento das
problemáticas existentes. A visão de igualdade baseada no mercado persiste e responde, artificialmente, ao discurso da “diversidade” ao possibilitar que apenas um pequeno número de mulheres, que já contam com consideráveis vantagens sociais, culturais e econômicas, elejam-se com planos e discursos políticos que, apesar de condenarem a “discriminação” e defenderem a “liberdade de escolha”, não possuem real interesse de intervir no cerne das questões socioeconômicas que tornam a liberdade e o empoderamento impossíveis para uma ampla maioria de mulheres (ARRUZZA; BHATTACHARYA; FRASER, 2019).
É diante da necessidade do debate de questões que afetam majoritariamente as mulheres como moradia inacessível, salários precários,
saúde pública e mudanças climáticas, que se institui a necessidade de uma representatividade política que não se contente apenas com mulheres nos altos escalões das corporações, mas que coloque no centro da pauta política o debate feminista anticapitalista, antirracista, antiLGBTfóbico, anticapacitista e indissociável da perspectiva ecológica do bem viver (ARRUZZA; BHATTACHARYA; FRASER, 2019). Assim, conclui-se que o aumento no número de candidaturas oriundas dos 99% da sociedade que possuem projetos políticos construídos a partir dos pés onde pisam desacompanhadas da materialização de sua eleição não se traduzem em aumento da representatividade. É necessário que as vivências e (r)existência do território sejam representadas no Congresso a partir dos “de dentro”.
REFERÊNCIAS
ARRUZZA, Cinzia; BHATTACHARYA, Tithi; FRASER, Nancy. Feminismo para os 99%: um manifesto . Editorial Boitempo, 2019.
GONDIM, N. A invenção da Amazônia. São Paulo: Marco Zero, 1994.
MAUÉS, H. Uma outra “invenção” da Amazônia: religiões, histórias,
identidades. Belém: Cejup, 1999.
PORTO-GONÇALVES, C.W.P. Amazônia, Amazônias. São Paulo: Contexto, 2001.
PORTO-GONÇALVES, C.W.P. Amazônia: encruzilhada civilizatória, tensões territoriais em curso. Rio de Janeiro: Consequência, 2017.
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