Nos dias 08 e 09 de abril de 2021, o Enegrecer a Política, o Instituto Marielle Franco, o Mídia Ninja e a Coalizão Negra por Direitos realizaram o Seminário Política Preta, que visava discutir estratégias e agendas de enfrentamento à violência política e formas de aumentar a participação, manutenção e segurança de pessoas negras nos espaços de poder e suas eleições em 2022.
Das conversas realizadas entre mandatos negros de todo o país, lideranças negras e representantes de setoriais negros de partidos políticos no dia 09, em dois turnos seguidos, saiu como produto o texto da “Política Nacional de Atenção e Proteção às Candidaturas e Mandatos Eletivos de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos” como Proposta de Lei Federal.
O objetivo é garantir um instrumento legal de proteção para que candidaturas de pessoas negras não sofram ações de violência política que visam minar ou impedir o pleno exercício tanto de políticos e políticas negras legitimamente eleitos e eleitas como de suas equipes e assessorias.
O entendimento é de que a violência política atinge não apenas a segurança pessoal das pessoas negras eleitas, mas tem se tornado arma política usada principalmente contra mandatos de mulheres negras, em especial as trans, como forma de boicotar e impedir o funcionamento e as atividades parlamentares dos e das parlamentares.
Segue abaixo o texto reformulado após as sugestões e adendos feitos a partir de sua apresentação no seminário:
PROJETO DE LEI XXXX, DE 2021
Institui a Política Nacional de Atenção e Proteção às Candidaturas e Mandatos Eletivos de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos – – PEPCMDDH/XX e dá outras providências, de XX de XX de 2021.
O Congresso Nacional decreta:
CAPÍTULO I
Da Natureza, Objeto, Princípios e Finalidade da Política
Art. 1º. Instituiu a Política Nacional de Atenção e Proteção à Candidaturas e Mandatos Eletivos de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos – PEPCMDDH/XX com objetivo de garantir direitos civis e políticos com a proteção de pessoas em processos de candidaturas ou já no exercício de mandatos eletivos – individuais ou coletivos – à violências ameaçadas ou sofridas em decorrência de sua atuação na promoção ou proteção dos Direitos Humanos.
Parágrafo único. A Política Nacional de Atenção e Proteção à Candidaturas e Mandatos Eletivos de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos – PEPCMDDH/XX observará os princípios estabelecidos na Resolução nº 53/144, de 9 de dezembro de 1998, da Assembleia Geral das Nações Unidas.
Art. 2º . A aplicação da Política Nacional de Atenção e Proteção à Candidaturas e Mandatos Eletivos de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos – PEPCMDDH/XX se dará no âmbito do Ministério dos Direitos Humanos, entidade gestora da política.
Art. 3º . Para os fins desta Lei, considera-se candidatura e mandato eletivo que atue como defensor ou defensora de direitos humanos aquele ou aquela que
Art. 4º Será caracterizado como conduta atentatória, com objetivo de violar, ameaçar ou criminalizar a candidatura e mandato eletivo de defensor ou defensora de direitos humanos, de forma não cumulativa, os atos de:
I – Ataques que tenham como objetivo a descontinuidade da atividade pessoal ou institucional do solicitante;
II – Ataques que se manifestem, ainda que indiretamente, sobre a sua pessoa, familiares ou integrantes do grupo, povo ou movimento social;
III – Ataques físicos, verbais, visuais ou de qualquer forma de expressão presencial ou virtual;
IV – Perseguição física ou virtual com a finalidade de causar dano físico ou à imagem;
III – Ataques físicos, verbais, visuais ou de qualquer forma de expressão presencial ou virtual contra pessoas que compõe as equipes dos mandatos eletivos;
Art. 5º . Atribuições/Competências da Política Nacional de Proteção à Parlamentares Defensores e Defensoras de Direitos Humanos – PEPCMDDH/XX serão:
I – Atendimento Primário à pessoa solicitante para:
II – Acompanhamento Interno dos Atendimentos aos solicitantes:
Art. 6º São princípios da Política Nacional de Atenção e Proteção à Candidaturas e Mandatos Eletivos de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos – PEPCMDDH/XX
I – respeito à dignidade da pessoa humana;
II – não discriminação por motivo de gênero, orientação sexual, origem étnica ou social, deficiência, procedência, nacionalidade, atuação profissional, raça, religião, faixa etária, situação migratória ou qualquer outro motivo;
III – garantia do pleno exercício dos direitos civis e políticos;
IV – proteção e assistência aos defensores e defensoras dos direitos humanos, independentemente de nacionalidade e de colaboração em processos judiciais;
V – promoção e garantia da cidadania e dos direitos humanos;
VI – respeito a tratados e convenções internacionais de direitos humanos;
VII – universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos;
VIII – transversalidade nas políticas públicas em relação às questões de gênero, orientação sexual, deficiência, origem étnica ou social, procedência, raça e faixa etária.
Art. 7º São diretrizes gerais da Política Nacional de Proteção à Parlamentares Defensores e Defensoras de Direitos Humanos – PEPCMDDH/XX:
I – fortalecimento do pacto federativo, por meio da atuação conjunta e articulada das esferas de governo na proteção aos defensores e defensoras dos direitos humanos e na atuação das causas que geram o estado de risco ou vulnerabilidade;
II – fomento à cooperação internacional bilateral ou multilateral;
III – articulação com organizações não governamentais, nacionais e internacionais;
IV – estruturação de rede de proteção aos defensores dos direitos humanos, envolvendo as esferas de governo e organizações da sociedade civil;
V – incentivo e realização de pesquisas e diagnósticos, considerando as diversidades regionais, organização e compartilhamento de dados;
VI – incentivo à participação dos órgãos de classe e conselhos profissionais;
VII – incentivo à formação e à capacitação de profissionais para a proteção, bem como para a verificação da condição do solicitante e para seu atendimento;
VIII – incentivo à participação da sociedade civil;
IX – iniciativas visando à superação das causas que geram o estado de risco ou vulnerabilidade;
X – garantia de acesso amplo e adequado a informações e estabelecimento de canais de diálogo entre o Estado, a sociedade e os meios de comunicação;
XI – implementação de medidas preventivas nas políticas públicas, de maneira integrada e intersetorial, nas áreas de saúde, educação, trabalho, segurança, justiça, assistência social, comunicação, cultura, entre outras;
XII – apoio e realização de campanhas socioeducativas e de conscientização nos âmbitos internacional, nacional, regional e local, consideradas suas especificidades, que valorizem a imagem e a atuação do defensor dos direitos humanos, com participação da sociedade civil;
XIII – sigilo dos procedimentos judiciais e administrativos, nos termos da Lei;
XIV – prestação de assistência social, médica, psicológica e material;
XV – preservação da identidade, imagens e dados pessoais;
XVI – apoio para o cumprimento de obrigações civis e administrativas que exijam comparecimento pessoal e, se necessário, suspensão temporária das atividades funcionais;
XVII – excepcionalmente, a transferência de residência ou acomodação provisória em local sigiloso e compatível com a proteção;
XVIII – apoio ao exercício pleno do cargo público eletivo, quando for o caso, que o defensor de direitos humanos venha a exercer.
Art. 8º – A proteção de que cuida esta Lei poderá ser estendida ao cônjuge, companheiro, ascendente, descendente, irmão, indivíduo detentor de parentesco colateral ou que ostente vínculo familiar e de convivência habitual com o solicitante defensor de direitos humanos.
CAPÍTULO II
Da Estrutura e Execução da Política
Seção I
Da Comissão Nacional de Atenção e Proteção à Candidaturas e Mandatos Eletivos de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos
Art. 9º – Fica instituído, a Comissão Nacional de Atenção e Proteção à Candidaturas e Mandatos Eletivos de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, órgão colegiado de caráter consultivo, normativo e instância máxima de deliberação do Política Nacional de Atenção e Proteção à Candidaturas e Mandatos Eletivos de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos – PEPCMDDH/XX, que congregará representantes da área governamental e da sociedade Civil, com as seguintes competências:
I – monitorar e acompanhar casos de violência contra candidaturas e mandatos eletivos defensores de direitos humanos;
II – atuar na implementação e estruturação, e firmar termos de parceria para a ampliação e o aperfeiçoamento da Política Nacional de Atenção e Proteção à Candidaturas e Mandatos Eletivos de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos – PEPCMDDH/XX ;
III – decidir sobre recursos interpostos contra as decisões da entidade gestora;
IV – solicitar a outros órgãos do poder público a adoção de medidas que assegurem a atuação dos defensores dos direitos humanos;
V – acionar os órgãos competentes para que sejam tomadas medidas judiciais e administrativas necessárias à proteção dos defensores dos direitos humanos.
Art. 10º – O Comissão Nacional será composta por um representante e respectivo suplente, dos seguintes órgãos e entidades:
I – Ministério de XXXXX assistência/defesa social XXXXX;
II – Defensoria Pública Geral do Estado (XXX especificar Núcleo Especializado se necessário XXXX)
III – Câmara Federal, prioritariamente, através da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos (XXXX especificar Comissão se necessário XXXX);
IV – Senado Federal, prioritariamente atráves da Comissão de Direitos Humanos;
V – Conselho Nacional de Defesa dos Direitos Humanos;
VI- Conselho Nacional de Justiça
VI – Conselho Nacional do Ministério Público
VIII – Polícia Federal;
IX – Defensoria Pública da União;
X – Conselho Federal de Psicologia;
XI – Ordem dos Advogados do Brasil;
XII – Por 10 (dez) representantes de entidades da sociedade civil organizada com reconhecida atuação na área dos Direitos Humanos, a serem definidas por chamamento público e abertura de edital pela Comissão.
Art. 11º – A participação na Comissão será considerada serviço relevante e não implicará remuneração de qualquer natureza ou espécie.
Art 12º – A Comissão poderá convidar, para participar de suas reuniões e atividades, especialistas e representantes de órgãos e entidades públicas e privadas, além de representantes de programas estaduais e municipais com escopos semelhantes, além de outros conselhos de políticas públicas.
Art. 13º – A Comissão, ao deliberar sobre o ingresso na Política Nacionaol de Atenção e Proteção à Candidaturas e Mandatos Eletivos de Defensores de Direitos Humanos – PEPCMDDH/XX, especificará o prazo de permanência do solicitante no Programa.
Art. 14º – São requisitos para a inclusão do solicitante na Política Nacional de Atenção e Proteção à Candidaturas e Mandatos Eletivos de Defensores de Direitos Humanos – PEPCMDDH/XX:
I – solicitação de inclusão que poderá ser formulada pelo solicitante, redes de direitos, organizações da sociedade civil, Ministério Público, Defensoria Pública ou qualquer outro órgão público que tenha conhecimento da violação dos direitos ou do estado de vulnerabilidade e risco pessoal em que se encontra o solicitante.
II – comprovação de que o interessado atue ou tenha como finalidade a defesa dos direitos humanos;
III – identificação do nexo de causalidade entre a violação, situação de vulnerabilidade ou ameaça e a atividade de defensor;
IV – anuência, mediante manifestação de vontade por escrito do solicitante;
V – documentos ou informações que demonstrem a qualificação do solicitante, bem como o histórico comprobatório da promoção, defesa e difusão dos direitos humanos e, em um breve relato, a descrição da ameaça ou da violação do direito.
Art. 15º – A exclusão da pessoa protegida pela Política Nacional de Atenção e Proteção à Candidaturas e Mandatos Eletivos de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos – PEPCMDDH/XX poderá ocorrer a qualquer tempo:
I – por solicitação do próprio interessado;
II – por decisão da Comissão, em consequência de:
Art. 16º – A Política deverá ser implementada em tempo razoável estabelecido pela entidade gestora da política, com tempo máximo de seis meses da publicação desta lei.
Art. 17º – A composição, o funcionamento e outras atribuições da Comissão voltada para a Política Nacional de Atenção e Proteção à Candidaturas e Mandatos Eletivos de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos – PEPCMDDH/XX e demais procedimentos de atendimento serão objeto de regulamentação.
Art. 18º – As demais atribuições e formato de atuação da Comissão, serão descritas em seu regimento interno, que será elaborado pelos seus membros.
Seção II
Do Observatório Nacional de Atenção e Proteção à Candidaturas e Mandatos Eletivos de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos
Art. 19º – Ficará instituído no âmbito do Congresso Nacional um observatório com a finalidade de monitorar casos de violência política à candidaturas e mandatos de defensores de direitos humanos por todo o país.
Art. 20º – O observatório será composto por representantes das comissões inerentes ao tema no Congresso, com representantes das frentes parlamentares relativas à direitos humanos e organizações da sociedade civil.
Art. 21º – Consistem em atribuições do Observatório:
I – Monitorar casos de violência política contra candidaturas e mandatos eletivos -individuais e coletivos – de defensores de direitos humanos;
II – Monitorar o desenvolvimento dos casos acompanhados pela Comissão;
III – Analisar proposições legislativas com a finalidade de proteção a defensores de direitos humanos e garantia do exercício dos direitos políticos;
IV – Realização de pesquisa e mapeamento do cenário de violência contra candidaturas e mandatos eletivos de defensores de direitos humanos no Brasil;
V – Publicação de relatórios periódicos sobre a situação de violência política no Brasil.
Seção III
Das Medidas Protetivas e de Prevenção
Art. 22º Consistem em medidas de protetivas que poderão ser estabelecidas para proteção de candidaturas e mandatos eletivos de defensores de direitos humanos:
I – realização de visitas no local de atuação dos defensores para análise do caso e da situação de risco ou de eventual ameaça;
II – realização de audiências públicas, mesas de diálogo, reuniões e outras ações que possam contribuir para sanar ou diminuir os riscos e ameaças;
III – articulação de ações de visibilidade das atividades dos defensores na promoção, proteção e defesa dos Direitos Humanos perante sociedades empresárias e quaisquer dos poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, salvo quando tais medidas agravarem a situação de risco ou ameaça do defensor;
IV – articulação de ações para adoção de providências com quaisquer dos poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, que visem à superação ou à diminuição das causas que possam gerar ou agravar a ameaça;
V – articulação com outros órgãos e entidades de quaisquer das esferas federativas, para a execução de políticas públicas, ações ou programas que possuam relação com a área de militância do defensor na perspectiva de reduzir o risco ou a superação da ameaça;
VI – acompanhamento de inquéritos, denúncias e processos judiciais e administrativos em que o candidato ou mandato de defensor de direitos humanos figure como parte e que tenha relação com sua atuação;
VII – monitoramento periódico da atuação do defensor para verificar a permanência do risco e da situação de ameaça;
VIII – solicitação de proteção aos órgãos de segurança pública, em caso de grave ameaça;
IX – quaisquer outras medidas que entenda a Comissão ser cabível no caso concreto dependendo da gravidade da situação.
Art. 23º – As Forças Policiais Federais, em ações colaborativas, darão o apoio necessário à execução da Política Nacional de Atenção e Proteção à Candidaturas e Mandatos Eletivos de Defensores de Direitos Humanos – PEPCMDDH/XX;
Art. 24º Ao Ministério Público caberá a coordenação de núcleo especializado para análise de ocorrências e encaminhamentos de denúncias de casos envolvendo violência política à candidaturas e mandatos de defensores de direitos humanos.
Art. 25º Ao Tribunal Superior Eleitoral caberá a coordenação de campanhas, mobilizações e canais de denúncias sobre violências políticas sofridas por candidatos e mandatos de direitos humanos e violências promovidas no âmbito da disputa do processo eleitoral.
Art. 26º – Esta lei entra em vigor na data da sua publicação.
JUSTIFICATIVA
Os Defensores e as Defensoras de Direitos Humanos (DDHs) têm papel fundamental em fortalecer a democracia e o Estado Democrático de Direito no Brasil, vez que atuam de maneira direta em lutas essenciais à eliminação de violações de direitos e liberdades fundamentais, tanto individuais como coletivas. Ao defender e promover direitos fundamentais como os direitos à vida, igualdade, dignidade, educação, segurança, liberdade, cidadania e à participação política, os defensores de direitos humanos criam no país uma cultura de direitos importante à construção de uma sociedade menos injusta, odiosa e mais tolerante e segura para a existência de todos os corpos e vidas humanas.
Assim, proteger a integridade física, moral e a vida de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos significa proteger os direitos civis, políticos, sociais, culturais e econômicos de todas as pessoas.A demanda pela defesa e proteção de defensores e defensoras não é uma novidade no contexto mundial, nem na América Latina, tampouco no Brasil. Ao longo da história, muitos foram os lamentáveis casos de ataques à vida de DDHs no mundo, o que exigiu respostas de organizações internacionais sobre o tema.
Os marcos internacionais na proteção dos DDHs são a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); a Resolução 53/144 da Organização das Nações Unidas (ONU) que estabelece a Declaração dos Direitos e Responsabilidades dos Indivíduos, Grupos e Órgãos da Sociedade para Promover e Proteger os Direitos Humanos e Liberdades Individuais Universalmente Reconhecidos (1998); a Resolução 2000/61 da ONU que cria o mandato de Representante Especial dos Defensores de Direitos Humanos (2000), ea Unidade de Defensores de Direitos Humanos no âmbito da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), em 2001.
O avanço de políticas mais conservadoras tornou iminente a necessidade de haver sistematização do conceito de defensores/as de direitos humanos, bem como das bases que garantem “a promoção e proteção de direitos humanos e liberdades fundamentais de todos as pessoas em todos os países do mundo.” (Resolução 53/144 da Assembleia Geral das Nações Unidas, 1998).
Neste sentido, Brasil reconhece a indispensabilidade da defesa deDDHs com a criação do Programa Nacional de Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), que em 2021 completará 17 anos. Regulamentado pelo Decreto 6.044/07, segundo o Art. 1º, o programa “ (…) tem por finalidade estabelecer princípios e diretrizes de proteção e assistência à pessoa física ou jurídica, grupo, instituição, organização ou movimento social que promove, protege e defende os Direitos Humanos, e, em função de sua atuação e atividade nessas circunstâncias, encontra-se em situação de risco ou vulnerabilidade.“. Além do programa em âmbito federal, o PPDDH tem legislação em alguns Estados Federados, mas sua implementação é anual e instável, e reflete na falta de regulamentação em todos os Estados, e em retiradas arbitrárias da execução do Programa nos Estados que já contam com sua implementação.
No contexto nacional, o que se percebe é uma perigosa ausência de institucionalização e execução da política de proteção de defensores e defensoras de direitos humanos no país, que gera insegurança, medo e cerceia a liberdade de atuação e luta de sujeitos e sujeitas individuais e coletivos que trabalham pela garantia de direitos neste país.Recentemente, o Decreto nº. 9.937/19 amplia de forma positiva a atuação do PPDDH para Comunicadores e Ambientalistas.
Todavia, após quase duas décadas de PPDDH, persistem problemas estruturais de regulamentação, infra-estrutura, falta de investimento, participação da sociedade civil, alcance do programa no interior do país e transparência sobre os requisitos de seleção dos protegidos. Destaca-se a invisibilização daqueles que lutam pelo direito à terra, trabalho no campo e às lideranças de povos e comunidades tradicionais. De forma que o PPDH não atende a demanda atual e exponencial de proteção aos DDHs no país.
A crescente criminalização e violência bruta em face de defensores e defensoras de direitos humanos no Brasil é alarmante e aponta para uma preocupante realidade: o recrudescimento de políticas autoritárias e hostis no contexto econômico, social, cultural e político inibe o exercício da defesa de direitos humanos no país e enfraquece aquilo se entende como Estado Democrático de Direito. Violações e violências contra os direitos e garantias fundamentais de mulheres, população ribeirinha, quilombola e indígena, crianças, população LGBTQ, mulheres e homens negros têm se tornado mais constantes e capilarizadas na sociedade brasileira dos três útlimos anos. Com isso, se faz necessário reforçar o trabalho vigilante e ativo de defensores e defensoras de direitos humanos, e em igual medida pensar na segurança do exercício deste trabalho.
As violências frequentemente enfrentadas por defensores e defensoras de direitos humanos são de natureza tanto patrimonial, de privação ilegal de liberdade, e também de ordem física e moral. São inúmeros os casos de sequestros, assassinatos, apreensão e deterioração de equipamentos de comunicação, documentos e objetos pessoais, invasão de domicílio e moradia, assédio moral, sexual, assédio judicial, violência policial, represálias, tortura física e psicológica.
A Comissionada Antonia Urrejola, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos – CIDH/OEA, após visita ao Brasil em 2018, relatou em audiência pública em Washintgon: “Nós chamamos atenção para o quadro de discriminação estrutural que vimos no Brasil. Chamamos a atenção para o clima de deslegitimação, ameaça, intimidação, violência e criminalização de defensoras e defensores de direitos humanos”. No dia 5 de março de 2021, a Relatora Especial do Conselho sobre a Situação dos Defensores dos Direitos Humanos, Mary Lawlor, apresentou seu relatório “Último aviso: ameaças de morte e assassinatos de pessoas defensoras dos direitos humanos” à 46ª sessão do Conselho de Direitos Humanos e afirmou: É chocante que, entre 2015 e 2019, pelo menos 1.323 pessoas defensoras tenham sido mortas em 64 países”.
Em relatório da organização não governamental de direitos humanos Justiça Global, entre 2016 e 2020, em 24 Estados brasileiros, foram mapeados 68 assassinatos e 57 atentados contra vida de representantes de cargos eletivos, candidatos ou pré-candidatos. De acordo com informações do relatório de 2019 da organização Frontline Defenders, o Brasil é o 4º país em que mais se mata DDHs.
Durante as eleições municipais de 2020, o Instituto Marielle Franco, que homenageia a vereadora do Rio de Janeiro executada em 2018, entrevistou 142 mulheres negras candidatas de 93 municípios de todas as regiões do Brasil. A pesquisa apurou que durante o processo eleitoral 78% sofreram violências virtuais e 48% sofreram violências físicas, apenas 32,6% denunciaram e dessas 70% indicaram que a denúncia não trouxe maior segurança para atividade político-partidária e 71% diz não ter contato sobre as medidas hoje existentes para superar essas situações de violência.
Esses dados assustadores comprovam as falhas do PPDDH e refletem na falta de representação do nosso atual sistema político. Apesar das mulheres negras representarem 27,8% da população nacional, elas são apenas 1% do Congresso Nacional, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Não existe no PPDDH um protocolo específico para representantes de cargos eletivos, e o Programa não possui um entendimento intersecional e transversal das identidades de gênero, raça, classe, etnia, regionalidade e deficiência que são fundamentais para compreender os atuais ataques a DDHs.
Em nome da democracia e da vida, a luta e trabalho de defensoras de direitos humanos se mostra não só necessária, mas fundamental para conter o desmonte em políticas públicas essenciais à sobrevivência e bem estar de mulheres brasileiras. O fomento da educação e saúde pública e universal, garantia de emprego e remuneração digna, moradia e seguridade social é crucial à manutenção da existência de sujeitas individuais e coletivas. Neste cenário, é valioso destacar o papel e importância da atuação de mulheres defensoras de direitos humanos no Brasil.
(…) as mulheres defensoras de direitos humanos cuidam da resistência e da existência, em uma relação orgânica que garante a continuidade da vida e da luta política, ao mesmo tempo em que afirmam seu papel no mundo. Elas produzem rupturas nas estruturas de poder tanto pelas atividades políticas que desempenham quanto por sua presença em lugares que, hegemonicamente, não são vistos como seus.
Estas mulheres são os principais alvos de opressões estruturais como o patriarcado heteronormativo, o racismo, a lesbo e transfobia que reforçam as diversas violências que incidem na vida de mulheres que desafiam grupos sociais poderosos em nome da defesa de direitos humanos.
Conforme descrito no Dossiê Vidas em Luta: criminalização e violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil (2020, p. 84), mulheres defensoras estão mais expostas a sofrer violências baseadas em gênero, principalmente (i). ameaças, assédio e/ou agressão física, sexual e/ou psicológica na esfera privada (dentro da família ou núcleo próximo) e na esfera pública; (ii). descrédito social, estigmatização e ataques à honra e à reputação; (iii). ataques, ameaças e violência física, sexual e/ou psicológica a suas filhas, filhos e familiares; (iv). assassinato de integrantes de sua família, organização ou movimento; (v). assédio, violência e ataques na internet, que incluem ameaças de violência sexual, agressões verbais, comentários sobre sua sexualidade, doxing (publicação na internet por terceiros de informações privadas sobre uma pessoa) e descrédito social, entre outras.
Na mesma perspectiva, é importante considerar o grave dado de que o número de mulheres transexuais e travestis defensoras de direitos humanos assassinadas tem aumentado, fato que reforça o posto do Brasil como o país que mais mata transexuais e travestis no mundo. Mulheres referências aos movimentos de luta LGBTQ em suas comunidades ou territórios foram assassinadas de forma cruel e com motivações ligadas ao ativismo, gênero e sexualidade. Em nome da memória destas mulheres, vale aqui dar destaque a casos que reforçam essa afirmação.
Segundo o Dossiê Vidas em Luta: criminalização de defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil (2020, p. 100), Aline da Silva, mulher transexual, negra e militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra foi vítima de transfeminicídio em 10 de agosto de 2019, às margens da rodovia PE 270, na cidade de Arcoverde – PE. Além de Aline, a militante transexual Lorena Vicente foi assassinada em outubro de 2019, na cidade de São Paulo. Veronica Oliveira, mulher trans, em dezembro de 2019 foi assassinada friamente a facadas, em seu território era militante LGBTQ e nos movimentos por moradia.
Estes casos retratam o quão nociva pode ser a luta por direitos humanos no Brasil, pois é uma luta que é legitimamente garantida e assegurada por mecanismos eficientes de proteção à vida de pessoas comprometidas com o avanço e desenvolvimento social. Daí, se reforça a necessidade de haver o estímulo e desenvolvimentos de políticas e programas de defesa e proteção a defensores e defensoras de direitos humanos.
O aumento de parlamentares mulheres do campo progressistas eleitas também é um relevante elemento a ser considerado quando tratamos desse tema, pois a pequena representação política de mulheres gera respostas duras e violentas da maioria masculina, héterossexual e conservadora das Casas Legislativas no Brasil. Parlamentares como a deputada Isa Penna Erica Malunguinho, sofreram violências dentro do seu local de trabalho, a Assembleia Legislativa de São Paulo.
A criação de uma Política Nacional de Proteção de Defensores e Defensores de direitos humanos se mostra indispensável ao combate à violência política no Brasil e para o avanço do Estado Democrático de Direitos, seus princípios e bases constitutivas. Haver um território livre para corpos e trajetórias e experiências de lutas individuais e/ou coletivas garante o respeito aos direitos humanos e suas agendas nacionais e internacionais. Garantir a vida de pessoas é dever de toda e qualquer pessoa, a proteção institucional destes coletivos e indivíduos, em última análise garante o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e igualitária, ainda que dentro de suas contradições.
Tendo em vista o aprofundamento da violência e violações de direitos humanos no Brasil, cabe, portanto, ao Poder Legislativo, – indispensável à democracia- garantir a criação e fiscalização por meio de lei de uma política efetiva de proteção a defensores e defensoras de direitos humanos, em observância a instrumentos normativos internacionais dos quais o Brasil é signatário.
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Sala das Sessões, …………………………..