Onde estão as Mulheres Negras após as eleições

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Foto de Tamara Mesquita acervo da campanha da Bancada Manas de Luta

Vivenciamos uma das mais importantes eleições de nossas vidas, após o processo de redemocratização. As eleições de 2022 traziam em seu bojo a pauta da “retomada da Democracia”, duramente ameaçada desde o Golpe de Estado que levou ao impeachment da primeira Mulher eleita Presidenta do Brasil Dilma Rousseff, em agosto de 2016, foram seis anos de arrocho salarial, perda de direitos da classe trabalhadora, reforma da previdência, congelamento de investimentos em Saúde e Educação, aumento do desemprego, e a volta do Brasil ao mapa da fome, dentre outros pacotes de maldades aprovados neste curto tempo, mas que parecem anos de retrocesso.

Ainda neste curto tempo, vivenciamos uma pandemia mundial da COVID-19, que matou 688 mil pessoas no Brasil de 2020 a 2022. Não esqueçamos que a primeira vítima da pandemia em nosso país foi uma trabalhadora diarista negra de 57 anos, na cidade de São Paulo. Ou seja, dentre todas as populações que clamam por Direitos a População negra sem dúvida nenhuma é a que está na ponta de todos os enfrentamentos, e no processo eleitoral não seria diferente.

Segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), tivemos 14.015 candidaturas negras que corresponde a 49,57% do total, sendo 13,92% pretas e 35,65% pardas. As 13.814 candidaturas brancas corresponderam a 48,86% do total . Ou seja, pela primeira vez negros foram a maioria das candidaturas registradas.

Destes 14,015 negros, 9.563 eram homens (sendo 2.224 pretos e 6.919 pardos) e apenas 4.890 Mulheres (sendo 1.703 pretas e 3.187 pardas ). A maioria dessas candidaturas ainda são de homens.

Fomos surpreendidas pelos dados do TSE, de que as candidaturas negras eram a maioria registradas pelos partidos. Nossa que boa notícia, porém quando fomos olhar a fundo descobrimos que muitos brancos e brancas viraram “ Negros eleitorais”, uma nova definição para não-negros que forjaram a autodeclaração racial para se beneficiarem dos recursos destinados a candidaturas negras, desde a eleição de 2020.
Não faltou denúncias das mais diversas sobre essas fraudes, muitas vezes pactuadas com as direções partidárias, e alguns desses fraudadores viraram memes nacionais, mas não é sobre isso que quero tratar nesse texto, trago essas informações para nos contextualizarmos da centralidade das candidaturas de mulheres negras.

No Pará, tivemos uma eleição com diversas candidaturas de mulheres negras, na sua maioria moradoras de territórios periféricos, muito natural que essas mulheres fizessem campanha nesses lugares e em outros também. Porém o que quero destacar aqui é que essas mulheres apresentam baixa votação nestes locais, as candidaturas mais votadas são masculinas e brancas, e de não moradores desses territórios.

A grande indagação que quero provocar nesse texto é por que pessoas negras e pobres, moradoras de periferias não votam em mulheres negras periféricas?

Passei parte da campanha refletindo sobre isso. Muitas hipóteses foram levantadas:

Seria a consequência do Racismo estrutural, que nos deixou fora desses lugares da ocupação de poder?

Será que elas pensam que nós não estamos preparadas para ocupar esses lugares? Será que elas não se veem em nós?

Será que pensam que a política não pode ser exercida por pessoas comuns do povo?

Confesso que não consegui chegar a uma única resposta, parece que todas elas estão corretas e muitas outras não ditas. Diante desta inquietação, penso que temos um grande desafio enquanto movimento organizado de Mulheres negras que é trazer a política institucional para mais perto das comunidades periféricas, demonstrar o quanto ela interfere em nossas vidas, independente de nossa participação ou não, fomentar a participação de mulheres negras para além dos pleitos eleitorais, sejam elas candidatas ou as que entregam os panfletos nas esquinas das cidades ou balançam as bandeiras no sol escaldantes de Belém do Pará.

Precisamos fazer com que essas Mulheres se vejam como sujeitas de transformação social constante em suas comunidades, pois são elas que chefiam as suas famílias, que se desdobram para dar conta de criarem seus filhos, garantir uma renda mínima para a sua sobrevivência e dos seus.

Foto de Mayara Souza acervo da campanha bancada Manas de Luta

Quando olhamos para as campanhas eleitorais nas ruas, os rostos que vemos em sua predominância aqui nas ruas de Belém, são de mulheres negras, elas animam as campanhas, distribuem os panfletos, estão nas caminhadas segurando as bandeiras, de sol a sol, suam a camisa de fato para elegerem suas candidaturas, mas passado esse momento, quando vamos olhar as equipes formadas nos gabinetes, não vemos esses rostos e nem parecidos com esses.

Essas mulheres servem para um dado momento da campanha, não para compor os mandatos, pensar os projetos para as cidades e o Estado, pensar as políticas públicas para quem mais precisa, nessas horas não são elas que estão lá.

Não são só as que trabalham nas campanhas que não estão nos gabinetes, as que foram candidatas também, não estão nesses espaços, poucas são direcionadas para assumir espaços de gestões indicadas por seus partidos ou composição em outros mandatos, se não forem envolvidas em pautas sociais caem no esquecimento público.

Como fica a construção do capital eleitoral dessas candidaturas negras? Quais seus espaços de visibilidade?
Quem cuida dessas mulheres nos pós eleição?

Parafraseando Angela Davis, “Quando uma mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”, é disso que precisamos para movimentar a política brasileira, de mulheres negras nas estruturas, antes, durante e depois das eleições.

Pensar caminhos e estratégias para essas mulheres é um dos nossos grandes desafios para alcançarmos avanços significativos na ocupação da política institucionalizada representativa, já passou da hora de elegermos mulheres negras para todas as esferas do legislativo ao executivo.

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